Ansiedade

Faz duas semanas
Pensei que não pudesse acontecer
aqui? como?
mas,
aconteceu.

Tenho esses dois trabalhos
chamados
monstros
chamados
ciclopes
chamados
o reflexo das minhas ações

conto as horas
Tenho doze horas a partir do
segundo
que passou
e calculo cuidadosamente os minutos
gastos
na matemática
enquanto o tempo
passa
e mais doze horas
Tenho
até
não ter
Mais

o documento aberto no meu computador
espera
não precisa esperar
o pensamento de começar
e
basta
meus dedos viram mestres
em achar saída
qualquer lugar

Talvez
Possa parecer que a data de entrega não exista mais
Mas ela resiste
dentro de mim
a todo
instante
que olho para as minhas mãos
paradas
enterradas debaixo de
[translúcido]
concreto
confete
serpentina
discursos
festas
lágrimas
numa banheira
em que mergulho e não me encontro mais.

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É tanta coisa que nem cabe aqui

(Roubei esse título do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza, na qual eu dei um rolé pela primeira vez nessa quarta-feira. Eu moro a duas horas de Veneza, já fui lá três vezes. Loucur4.)

Depois de um mês e meio estou começando a me adaptar à rotina do UWC (que é difícil de explicar e mais difícil de entender). Tentarei quebrar essa experiência em pequenos tópicos ou pensamentos e escrevê-los aqui. Prometo. Mas o problema de acumular tudo é que não existe mais um começo, existem eternas possibilidades de começar. haha

Eu estou em Trieste.

Antigo Império Austro-húngaro, Itália depois da Primeira Guerra Mundial.

Terra da massa duas vezes ao dia no refeitório e da pizza toda semana. Vinho e cerveja, duas taças, com moderação.

Falam italiano, friulano e ciao.

Mas não falam sorrisos como no Brasil.

Onde a primeira coisa que aprendi a falar em italiano foi pedir gelato (muito diferente do nosso sorvete, não dá pra confundir).

E não existe J no alfabeto.

Da minha varanda eu enxergo (literalmente) três países diferentes: Itália, Eslovênia e Croácia.

E no meu corredor moram todos esses e muito mais.

Estou a norte no país que recebe alunos de mais de oitenta nacionalidades em prol da paz e de um futuro (presente) sustentável e que a sul

recebe naufrágios.

E a gente fala sobre isso. E eu ouço minha amiga síria falar sobre isso.

E os italianos, húngaros, alemães.

Já ouvi tanta coisa.

Nem sempre fico confortável.

Aqui a gente aprende a respeitar.

E aprender que se sabe menos do que se pensava saber e aprender a ouvir

é necessário e muito valioso.

Eu moro ao lado de um castelo,

10 minutos do porto, à beira do Mar Adriático, em cima do refeitório, numa residência chamada Foresteria, num quarto com uma italiana e uma alemã, e minhas vizinhas da frente vêm da Bulgária, Rússia, Áustria e Hong Kong.

Juntar três continentes não é uma tarefa difícil aqui.

Não é difícil também filosofar sobre minha cultura e como eu a cultivo dentro de mim. Então,

Desenvolvi a teoria de que todo brasileiro quando nasce é presenteado com um chinelo e cresce dentro desse chinelo.

Eu moro no meu chinelo.

Eu moro no pensamento e coração de todos os meus queridos no Brasil.

Me mantenho acordada

É madrugada, tenho um dia todo programado pra acontecer daqui a

duas horas.

Não consigo dormir.

Não consigo dormir porque já dormi demais e todo minuto pra mim é muito

caro.

Não consigo dormir porque as portas do armário nunca se fecham e meus olhos

também não.

Não consigo dormir porque salvei a vida pra depois e agora o depois não vai acontecer.

Não consigo dormir porque a bagunça do meu quarto é um reflexo da ansiedade de

não saber o que esperar / levar / guardar / virar / deixar.

Como assim existe limite de bagagem se bagagem é, além de experiência, toda a soma de conhecimentos de um indivíduo?

12cm, 39g, função: pular nome: sapo pula-pula

Me acalmava enquanto esperava minhas irmãs no dentista. Será que ainda pula? ainda acalma?

21cm, 24 itens, 180g função: pintar nome: lápis de cor

Quantos cartões, desenhos, amores construí com 24 cores e um pincel?

As perguntas são feitas diversas vezes até que o destino seja escolhido.

Comece com um bairro, termine com uma casa.

Comece com uma casa, termine com um quarto.

Comece com um quarto, termine com duas malas uma frasqueira uma pilha de coisas pra pensar.

Não consigo dormir porque tento fazer uma matemática distorcida, uma lista de chamada

pesada

numerosa

longa,

caber em 32kg.

12cm, 350g, função: bater / sentir / doer / se encolher / fugir / voar / viver

nome: coração

Presente.

Por onde começar?

Em dezenove dias eu parto. Partir é o começo.Vou estudar em um colégio que fica no berço do Renascimento. Ou seria onde Judas perdeu sua bota?

Toda vez que perguntam se estou ansiosa, pergunto a mesma coisa ao meu coração. Ele está aflito, sem endereço. Às vezes o encontro fora de mim. Ele passeia por entre meus amigos, minha família, meus grandes amores, e quer ficar. Mas eu vou.

Vou porque sempre foi meu sonho. Dito isso, agarro meu coração. Preciso estar completa para fazer dessa oportunidade uma grande mudança em mim e na mensagem que mando pro mundo.

Enquanto encho minha mala de roupas, as memórias escorrem dentre as fibras e consolidam minhas escolhas. Mas ao olhar para o que há de concreto, caio em mim.

Vou sentir falta das tardes, das sonecas, do verde daqui, das pessoas que já se foram e das que vão ficar, daqui a dezenove dias.


IMG_20150724_234905Jubs; Às vezes um fio desencapado de felicidade.
Aqui nesse blog ficarão registradas em quietas palavras as elaborações do meu sentir, mesmo quando o barulho for ensurdecedor. Brasileira que trocou a feijoada pela pizza, por dois anos.  UWCAD 15-17.